sexta-feira, 5 de junho de 2009

aforismos em PESSOA

"Constelações", Joan Miró, 1928.

86. Penso se tudo na vida não será a degeneração de tudo. O ser não será uma aproximação - uma VÉSPERA, ou uns ARREDORES.

355. SENTI-ME INQUIETO JÁ! De repente, o silêncio deixara de respirar. Súbito, de AÇO, um dia infinito estilhaçou-se. Agachei-me, ANIMAL, sobre a mesa, com as mãos garras inúteis sobre a tábua lisa. Uma luz sem alma entrara nos recantos e nas almas, e um som de montanha próxima desabara do alto, rasgando num grito sedas do abismo. Meu coração parou; bateu-me a garganta. A MINHA CONSCIÊNCIA viu só um borrão de tinta num papel.

461. As quatro paredes do meu quarto pobre são-me, ao mesmo tempo, cela e DISTÂNCIA, cama e CAIXÃO. As minhas horas mais felizes são aquelas em que não penso nada, não quero nada, não sonho sequer, perdido no torpor de VEGETAL ERRADO, DE mero MUSGO que crescesse na superfície da VIDA.
207. Quantas coisas, que temos por certas ou justas, não são mais que os vestígios dos nossos sonhos, o sonambulismo da nossa incompreensão? Sabe por acaso alguém o que é certo ou justo?
Quantas coisas, que temos por belas, não são mais que o uso da época, a ficção do lugar e da hora??
10. E assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência de alma consigo mesma, como uma CRIANÇA INOPORTUNA; um desassossego sempre crescente e nada igual. Tudo me interessa e NADA ME PRENDE.
470. FALAR é ter demasiada consideração pelos OUTROS. Pela boca morrem o peixe e Oscar WILDE.
- NAUFRÁGIOS ? Não, nunca os tive. Mas tenho a impressão de que todas as minhas viagens naufraguei, estando a minha salvação escondidas em INCONSCIÊNCIAS intervalantes; SONHOS VAGOS, LUZES CONFUSAS, PAISAGENS PERPLEXAS - eis o que me resta na alma de tanto que viajei.
354. O calor, como uma roupa invisível, dá vontade de o tirar.
Excertos de "Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa.

Nenhum comentário: