sábado, 27 de fevereiro de 2010

orgulho quixotesco


Quem não tem um Quixote em seu coração?

Por Fábio Fabato, publicado no site www.galeriadosamba.com.br



Já falaram demais da Tijuca, e eu peço licença para passar batido pela escola campeã nesta coluna de fim de folia. Foi merecido, fantástico, Paulo Barros amadureceu, venceu e convenceu. Uma unanimidade super bem transada, contrariando até mesmo a frase de Nélson Rodrigues, que deve estar se coçando até agora na cova para descobrir a intimidade daquela caixa preta da comissão de frente. Quero aqui viajar é na União da Ilha, nos braços de Rosa Magalhães, na brincadeira que mais falou ao meu coração durante os desfiles. As duas - agremiação e carnavalesca - já até romperam, dizem que a relação não foi de muita paz, não. E se o ditado diz que em briga de marido e mulher não se mete a colher, que dirá um casamento de duas mulheres? Mas foi bom pra caramba enquanto durou, ao menos naquela fração de 80 minutos que passaram voando pelo palco iluminado. União da Ilha e Rosa, Rosa e União da Ilha. Creio que eu passe 360 dias imaginando os desfiles, para, justamente, encontrar o que vi na abertura de domingo, um casamento de química e tesão tão gritantes. Valeu esperar tanto por aquela emoção cristalizada em beleza genuína.

Podem me chamar de louco, mas eu as poria nas Campeãs. E creio que seria merecido. De que adianta um abre-alas de, sei lá, 400 metros - gigantismo de quase todos os contemporâneos - se faltar o mínimo toque de sensibilidade na ponta do cometa ou do monstro de trocentas cabeças? E como tem faltado este toque, e também o de estilo mesmo, na folia. A Ilha foi plena de algo único, a assinatura autoral de uma artista. Poucos são os que têm marca na pontinha da pena, pouquíssimos. Rosa ainda possui de sobra. E lá foi a escola se chegando, esparramando sua gente, alas, alegorias, braços, pernas, o corpanzil todo e, de repente... Eis! Eis o que o Grupo de Acesso escondeu por oito anos, mas o tempo, apesar da implacável faceta do esquecimento, jamais apagou. A escola se sentiu em casa no Grupo Especial. Pôs os pés na poltrona, abriu a geladeira, arrotou, coçou e caçoou das convenções.

Abriu o domingo dando de ombros para o horário, passando ao largo do fato de que nenhuma outra do grupo havia desfilado antes. Foi grande porque é grande, sem qualquer timidez babaquinha. Ora, quando a Ilha invade a pista, todo mundo vira tricolor. Mangueirense, portelense, independente... Quem não queria ver a Ilha voltar feliz? Mas ela foi mais. Portou-se como uma Escola de Samba e, mais ainda, de multiarte, na carona de um enredo que, para mim, merecia todos os estandartes, láureas, tamborins de ouro, o cacete a quatro dos analistas. A velha Rosa, murchinha no seio da desgastada relação com a eternamente sua Imperatriz, ressurgiu e calou a crítica - na qual também me incluo - com o tapa mais gostoso que todo o mundo do samba já tomou nas fuças. Estalou gostoso, com repertório, sensibilidade, conceito, mágica doida que valeu o ingresso de cara.

Terminou na penúltima colocação, mal julgada por um júri cagão que teve medo de avaliar o que, de fato, passou na Avenida. Quem mais apresentou tanto estilo, à exceção da indiscutível Tijuca? Ninguém, nenhuma outra. Não requentou, não copiou, não cozinhou em Banho-Maria. Reinventou, surpreendeu, assombrou. E na maciota da simplicidade. Tolos jurados que, na carona da idiotice objetiva dos pentelhésimos decimais, não enxergaram o óbvio. Cervantes, onde quer que esteja, ficou orgulhoso da Ilha, de Rosa, do casamento que, na asfalto selvagem, deu muito certo. Afinal, do cavaleiro da triste figura fez-se arte. E um sonho impossível e quixotesco pra lá de bem sonhado.

Quer algo mais folião e vitorioso do que ir atrás do seu ideal? A Ilha alcançou o dela, com um romantismo de inspirar os nossos corações...



Coluna dedicada a quem é Quixote em nosso carnaval...


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