quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

IMPRESCINDÍVEL SOLIDÃO

Grande Mestre Hélio Gracie (1914- 2009) . Foto: Gustavo Aragão.
“Hay hombres que luchan um dia y son buenos. Hay otros que luchan un año y son mejores. Hay quienes que luchan muchos años y son mui buenos. Pero hay los que luchan toda la vida, esses son los imprescindibles.”
(Bertolt Brecht)
O mês era o de abril, o ano era o de 2005, e me lembro do primeiro dia em que cheguei à redação da GRACIE MAGAZINE, onde, como estagiário, estaria por fazer algumas das minhas primeiras letras de repórter. Como de costume, percebi logo de início que seria necessário muito esforço para me entrosar com os novos colegas e a nova rotina, apesar do agradabilíssimo e convidativo ambiente, incomum na maioria das redações; como diz o senso comum presente no mundo das artes marciais, ali não haveria espaço para moleza, pois todos estavam (pre) ocupados com a publicação da GracieMag número 100, cuja matéria principal seria feita com ninguém menos que o professor HELIO GRACIE, criador e grande nome do Jiu-Jitsu em todo o mundo.

A missão principal do momento estava dividida entre entrevistar o professor em seu sítio em Itaipava, região serrana do Rio de Janeiro, e dar conta de outras atividades relativas à edição de número 100 e das demais publicações da editora Gracie. Enquanto parte da equipe, entre eles feras como Luca Atalla e Rafael Nogueira, subiu a serra, eu, ainda meio perdido, fiquei com a tarefa de estar atento a tudo o que chegava na redação com informações sobre o mundo das lutas.
Dias passados, centésima edição pronta, exemplar devidamente adquirido, folheio ansiosamente as páginas da revista e duas coisas em especial me despertam a atenção: a presença do meu nome fazendo parte do editorial, entre aqueles a quem dever-se-ia agradecer por tantas edições publicadas; e um trecho que trazia sábias palavras (perdoem-me pelo pleonasmo) do professor Helio. Questionado quanto ao fato de se sentir solitário por viver isolado num sítio, o professor rebateu, com um golpe dos mais ágeis e precisos, como nos bons tempos em que lançava mão das imobilizações: "Solidão? Sabe o que é solidão? Solidão é o sujeito não gostar de si mesmo(...)"

Devidamente armazenado tal ensinamento, percebi com o passar do tempo que muitas lições que chegam a nós serão eternas e, ao mesmo tempo, indicativas que outras ainda estão por vir. E ainda que eu tivesse aprendido muita coisa pelo caminho, a "verdade solitária" do professor Helio jamais me fugiu da rotina. E como atualmente falo como praticante de Judô e Jiu-Jitsu, a ausência de solidão proposta pelo Grande Mestre me faz sentido quando estou em alguma posição complicada sobre o tatame e preciso "gostar mais de mim mesmo" do que de qualquer outra coisa naquele momento. E eis que quase quatro anos após a maravilhosa entrevista, enquanto me chega a notícia do falecimento do professor Helio, mais uma poderosa lição me surge: nem sempre o contato físico com alguém deve ser valorizado, e sim os ensinamentos que tal indivíduo poderá nos transmitir! Ainda que eu me pegue em lamentos por não ter tido contato pessoal com o professor, sinto-me amplamente recompensado pelas lições deixadas por ele, confirmado pela necessidade que possuo em buscar cada vez mais conhecimento sobre o Jiu-Jitsu e as artes marciais como um todo.

Uma única entrevista, e obra do acaso ou não, a primeira delas, e eu já estava a perceber que entraria num novo universo, cheio de grandes possibilidades e experiências a serem adquiridos. Um novo mundo a ser descoberto onde os conhecimentos ali deixados ultrapassam os limites da presença física.

Muita coisa ficou com o legado deixado por Helio Gracie e boa parte de seus familiares e descendentes, com quem tive contato durante alguns anos. E se posso contribuir um pouco por ter convivido com a família Gracie durante um período, torno ainda mais pública aqui a entrevista completa com o Grande Mestre publicada na edição 100, edição esta esta que tive o enorme prazer de realizar com outros colegas de trabalho e que me serviu como uma "tijolada recebida na cabeça", outra das várias expressões ditas pelo Grande Mestre da arte suave durante a visita dos "sortudos" - que tiveram o deleite de conhecer o professor em vida e em ensinamentos - que estiveram em sua casa no mês de abril, no ano de 2005.

Um comentário:

Valéria Martins disse...

Querido, mandei o link do teu blog para a Reila Gracie, filha do Carlos, irmão do Hélio. Ela publicou biografia do pai e história da família no ano passado, um belo livro de 600 páginas: Carlos Gracie, o fundador de uma dinastia.
Beijão!