segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

1989: farrapos entre paetês




O campeonato não veio, mas não precisava: a mensagem dita tornou-se um ato socio-político-cultural e marcou a era dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro de maneira insuperável.
Em resposta a uma frase dita por alguém da imprensa que dizia que "o luxo do Joãosinho Trinta cansa, não impressiona", o próprio João afirmou: "O povo gosta de luxo, quem gosta de miséria é inteletual!". E quem pensou que a resposta do João pararia por aí, eis que veio o carnaval de 1989, cuja recordação faço por aqui em homenagem aos 20 anos deste acontecimento - e com 10 dias de atraso, sei que o Joãosinho vai me perdoar.

Contra o luxo e à miséria - ou a favor de ambos, até hoje não sei - Joãosinho Trinta entrou numa de levar ao desfile alas formadas por mendigos e pessoas esfarrapadas, quebrando a tendência de fantasias caras que os foliões tinham que comprar para sair em qualquer escola do grupo principal das escolas; e que estes fossem abençoados pela imagem de um Cristo também em farrapos! No primeiro "ato" do desfile, intitulado "Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia" uma escultura de um Cristo esfarrapado cercado por atores travestidos de mendigos!
Só que dois dias antes do desfile, a Justiça, a pedido da Cúria Metropolitana, proibiu que tal escultura fosse levada ao desfile. Com a Beija-Flor, por um lado cercada pelo regulamento do desfile, que exigia que a alegoria fizesse parte da proposta do enredo e por outro, pela liminar da Justiça, Joãosinho sacou algo cujo impacto representou muito mais do que a apresentação da imagem do "Cristo Mendigo": ele simplesmente cobriu a escultura do Cristo esfarrapado com plástico preto, deixando transparecer a sua forma, e pregou, transversalmente de um braço a outro, uma enorme faixa trazia com frase "Mesmo Proibido Olhai por Nós". O Cristo "Coberto", que substitui o "Cristo Mendigo, roubou a cena e tal imagem apagou tudo o que podia ter valor no carnaval daquele ano!

Ainda antes de começar o desfile, um repórter da extinta Rede Manchete perguntou ao João o porque do Cristo estar coberto e com tal inscrição, e ele respondeu: "Está coberto porque foi proibido e o proibido nao pode ser mostrado. O carnaval é uma coisa muito séria, envolve muito respeito aos que fazem o espetáculo funcionar e, se estes estão proibidos de ver o Cristo, que vejam a frase: "MESMO PROIBIDO OLHAI POR NÓS".

Quando justamente um ano após a Constituição Federal ter erradicado a censura em todo o território nacional e quando a própria Justiça vai contra a lei, cabe apenas aos gênios encontrar soluções para os problemas!


Simbolicamente o oculto tornou-se presente e tal atitude deixou a todos estupefatos, inclusive a minha pessoa, que ainda criança, percebeu que das arquibancadas do Sambódromo eu poderia ver muito do que o país representa, e melhor: saber que muito dos anseios e dos gritos dos excluídos e dos que esgasgam com tais gritos passavam por uma simples rua com nome de marquês, este menos real e mais por, como diz a letra do samba, "frutos de uma imaginação!"


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