Por Luis Fernando Veríssimo
SHAKESPEARE GOSTAVA DE USAR SEUS VILÕES PARA DIZER O INDIZÍVEL, e eles eram quase sempre os únicos personagens lúcidos das suas peças, os únicos sem qualquer ilusão sobre a sua própria motivação e a dos outros.
Edmund, o bastardo, em Rei Lear, tem um célebre discurso sobre "a maravilhosa vaidade do mundo", ao atribuir o mau comportamento humano à influência dos astros e à interferência do além. É um raciocínio irônico surpreendente no começo do século 17, quando o próprio Shakespeare não hesitava em recorrer a fantasmas e divinações para tocar suas tramas, e só explicável pela licença para ser cético dada pelo autor a vilões de sua preferência. Nunca fica bem claro o que leva Iago a ser um calhorda completo em Otelo, mas ele ostenta a própria vilania com gosto e até um certo distanciamento crítico. Nada é tão moderno em Shakespeare quanto seus vilões. Quando Verdi fez uma ópera da peça, deu a Iago uma ária, "Creio num Deus cruel", e um motivo mais grave e filosófico para sua perfídia, mas ele era mesmo apenas um mau-caráter equipado com autoconhecimento - e, claro, ótimas falas. Descartada a nova interpretação, de que se tratava de um homossexual reprimido apaixonado pelo negrão.
O maior bandido de todos é Ricardo III, cuja vilania autoconsciente parece ainda mais moderna porque envolve também uma fria reflexão sobre o poder e o que ele obriga.
2 comentários:
Sim, maravilhosos os vilões de Shakespeare. Mas o nosso caro Verissimo comete um equívoco ao dizer que Verdi "deu a Iago uma ária, 'Creio num Deus cruel', e um motivo mais grave e filosófico para sua perfídia".
Na verdade, embora a ópera Otelo seja de autoria de Verdi, o que ele compôs foi somente a música da obra. O libreto (o texto) é do libretista Arrigo Boito, que não só adaptou a peça de Shakespeare para o italiano como remodelou-a para o formato de uma obra cantada, como é a ópera. O erro do Verissimo, aliás, é muito comum, mas é sempre bom ter isso em mente: compositores criam as partituras, a parte musical, e libretistas escrevem o libreto, a parte textual das óperas.
Talvez a única exceção seja o alemão Richard Wagner, que não apenas compunha a música como escrevia o libreto, desenhava os figurinos e até os cenários de suas óperas!
Ricardo III manda matar os filhos do irmão, para que não cresçam e tomem o trono.
Iago representa o ego de Otello enlouquecendo-o. Todos nós temos um iago dentro de nós. É preciso aprender a não lhe dar ouvidos.
Beijos!
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