71.Ninguém escreve ao coronel, Gabriel García Marquez:
O CORONEL abriu a lata de café é viu que restava apenas uma colherzinha de pó. Tirou a panela do fogo, deitou ao chão da terra a metade da água e raspou à faca o fundo da lata até jogar na panela os grãos finais do pó entremeados com raspas de ferrugem.
72. A terra que nos deram , Juan Rulfo:
Depois de caminhar tantas horas sem encontrar nem uma sombra de árvore, nem uma raiz de nada, ouve-se o ladrar dos cachorros. A gente às vezes chegava a pensar, no meio deste caminho sem margens, que nada existiria depois; que não se poderia encontrar nada, ao final desta planura rajada de gretas e de arroios secos. Mas sim, existe algo. Há um povoado. Ouve-se o ladrar dos cachorros e sente-se no ar o cheiro da fumaça, e se saboreia esse perfume das pessoas como se fora uma esperança.
73. Peixe na Água, Mario Vargas Llosa:
Minha mãe me segurou pelo braço e me levou para fora utilizando a saída de serviço da prefeitura. Fomos andando até o cais. Estávamos nos últimos dias de 1946, ou nos primeiros de 47, pois já prestáramos exames no Salesiano. eu já concluíra a quinta série do primário e já chegara o verão de Piura, de luz branca e asfixiante calor.
74. O ataque, Luiz Ruffato:
Naquele verão, meus pais tiveram a oportunidade de apertar a mão da felicidade. Em janeiro, enquanto nuvens negras, lá para os lados de Barbacena, assustavam os ribeirinhos do Beco do Zé Pinto, tementes das águas aleivosas do Rio Pomba, entulhávamos um caminhão-de-mudança com nossos trens. Finalmente, nossa casinha quatro-cômodos, no Paraíso, ficara pronta. Dois anos naquele bafafá, da compra do terreno à ligação da força; dois anos de garrafas térmicas de café para o pedreiro, para o servente, para o poceiro, para o ajudante, para o eletricista, culminando com os sacos de pãocom-molho-de-tomate-e-cebola e os litros de quissuco no domingo da bateção da laje.
Naquele verão, meus pais tiveram a oportunidade de apertar a mão da felicidade. Em janeiro, enquanto nuvens negras, lá para os lados de Barbacena, assustavam os ribeirinhos do Beco do Zé Pinto, tementes das águas aleivosas do Rio Pomba, entulhávamos um caminhão-de-mudança com nossos trens. Finalmente, nossa casinha quatro-cômodos, no Paraíso, ficara pronta. Dois anos naquele bafafá, da compra do terreno à ligação da força; dois anos de garrafas térmicas de café para o pedreiro, para o servente, para o poceiro, para o ajudante, para o eletricista, culminando com os sacos de pãocom-molho-de-tomate-e-cebola e os litros de quissuco no domingo da bateção da laje.
75. Rasero, Francisco Rebolledo:
Na pequena casa da rua São Vitor, Dênis Diderot fazia muitos esforço para esquecer as terríveis noites vividas na torre de Vincennes. Não era fácil para ele: o cheiro e as ratazanas persistiam na sua memória, principalmente o primeiro. Não conseguira desprendê-lo de seus sentidos, porque era um cheiro característico, picante e desgradável, de urina e cocô ressecados, de alho e óleo fritos, de cal torrada e peixe rançoso que invadira não só o olfato, como, literalmente, todos os seus sentidos.
76. Prisão azul, Antonio Callado:
Patas macias sobre folhas mortas. Ao atravessar num salto a janela aberta o tigre sabia muito bem que o lenhador tinha saído. O bebê de dois anos estava sentado no chão, brincando. Sozinho, sozinho. O tigre se aproximou cauteloso e quando a criança viu aquele cachorrão rajado abriu com espanto dois olhos azuis, dois lábios sorridentes, dois bracinhos. O tigre começou pelos braços. Depois devorou o resto da criança e tratou de voltar à floresta.
Patas macias sobre folhas mortas. Ao atravessar num salto a janela aberta o tigre sabia muito bem que o lenhador tinha saído. O bebê de dois anos estava sentado no chão, brincando. Sozinho, sozinho. O tigre se aproximou cauteloso e quando a criança viu aquele cachorrão rajado abriu com espanto dois olhos azuis, dois lábios sorridentes, dois bracinhos. O tigre começou pelos braços. Depois devorou o resto da criança e tratou de voltar à floresta.
77. A funda de Davi, Augusto Monterroso:
Era uma vez um menino chamado Davi N., cuja pontaria e habilidade no manejo da atiradeira despertavam tanta inveja e admiração entre seus amigos da vizinhança e da escola, que viam nele — e assim comentavam entre si quando os pais não podiam escutar — um novo Davi.O tempo passou.
78. Preparativos de uma morte anunciada, Elisa Palatnik:
— Onofre, acabei de pegar teu exame. O médico disse que você vai morrer em uma semana.— Hein?! O quê?!— Você morre terça feira que vem. Dia 25. Dia do soldado.— Mas... que coisa horrível!— Horrível por quê? Melhor que morrer, sei lá, no dia do Índio. No dia da Secretária. No dia do Ginecologista.— Meu Deus! Vou morrer em uma semana e você me conta assim, na bucha, sem me preparar?— Deixa de ser infantil, Onofre. Você não é prato de bacalhau pra eu te preparar.— Uma semana... Eu estou chocado! Se bem que...— O quê?— Quer saber? De certa forma foi bom saber logo. Assim aproveito o tempo que resta. Vou viajar, beber e comer tudo que eu tenho direito.— Aí é que está, Onofre. Você vai ter que fazer dieta.
79.O rei burguês, Rubén Darío:
Meu amigo! O céu está opaco, o ar frio, o dia triste. Um conto alegre... assim como para divertir as brumosas e cinzentas melancolias, eis aqui:Havia numa cidade imensa e brilhante um rei muito poderoso, ele tinha trajes pretensiosos e ricos, escravas nuas, brancas e pretas, cavalos de longas crinas, armas novíssimas, galgos rápidos e monteiros com chifres de bronze que enchiam o vento com suas fanfarras. Era um rei poeta? Não, meu amigo: era o Rei Burguês.
80. A vida breve, Juan Carlos Onetti:
- MUNDO LOUCO - DISSE OUTRA VEZ A MULHER, COMO SE O ARREMEDASSE, COMO SE O TRADUZISSE.
Nenhum comentário:
Postar um comentário