quinta-feira, 9 de setembro de 2010

3. ESTRANGEIRISMOS À PARTE...



"O gatilho cedeu, toquei o ventre polido da coronha e foi aí, com um barulho ao mesmo tempo seco e ensurdecedor, que tudo começou. Sacudi o suor e o sol. Compreendi que destruíra o equilíbrio do dia, o silêncio excepcional de uma praia onde havia sido feliz. Então, atirei quatro vezes no corpo já inerte, em que as balas se enterravam sem que se dessem conta; como quatro batidas secas, à porta da desgraça."

Muitos aqui sabem que há muito o meu escritor preferido é o "pied noir" Albert Camus.
Desde os meus primeiros contatos com seus pensamentos, ideias e aforismos, o franco-argelino passou a habitar o meu cotidiano.Desde "A Queda", passando por "Estado de Sítio" e outras obras de igual valor, as necessidades colocadas por Camus me serviram ocmo um aperitivo para a busca de respostas e hábitos do homem em conflito com seus próprios dilemas e com a sociedade.

Mas a obra que aqui entra em terceiro lugar é "O Estrangeiro", de 1942, que com "O Mito de Sísifo" e "Calígula" encerra a trilogia do absurdo, teoria defendida pelo autor, em harmonia com as ideias de outros pensadores, como Jean-Paul Sartre, cuja base reina no existencialismo.

No livro vive o escriturário MERSAULT, que vive uma vida apática, indolente e indiferente a tudo, indiferença essa que não o tira da inércia nem mesmo em situações pra lá de delicadas ao cidadão comum, como a morte de sua mãe, por exemplo.

Um dos poucos momentos em que vive fora da paralisia, Mersault acaba matando um homem durante uma caminhada à beira mar, após um momento de delírio causado por uma insolação.

Quando preso, ele permanece indiferente à própria sorte e ao crime que cometeu, nao dando qualquer importância ao ato e à vida de quem assassinou.

O romance mostra um personagem que vive em um mundo que lhe parece absurdo, aflorado pela falta de sentido visto também em sua condenação como criminoso, ato que transcende o seu entendimento e é dominado por um encadeamento de forças o qual não domina nem compreende.

Camus deixou claro com a excepcional obra a força do homem que precisa lutar com todas as forças contra o absurdo de não se associar a um humanismo ativo e crítico; ele condena também, em outros escritos, a alternativa da revolução coletiva, apostando na revolta individual como a única solução possível.