quarta-feira, 15 de julho de 2009

apenas a matéria era tão fina...

"Los Limones", Flor Garduño, 1998.




Aparências
José Saramago

Suponho que no princípio dos princípios, antes de havermos inventado a fala, que é, como sabemos, a suprema criadora de incertezas, não nos atormentaria nenhuma dúvida séria sobre quem éramos e sobre a nossa relação pessoal e colectiva com o lugar em que nos encontrávamos. O mundo, obviamente, só podia ser o que os nossos olhos viam em cada momento, e também, como informação complementar não menos importante, aquilo que os restantes sentidos – o ouvido, o tacto, o olfacto, o gosto – conseguissem perceber dele. Nessa hora inicial, o mundo foi pura aparência e pura superfície. A matéria era simplesmente áspera ou lisa, amarga ou doce, azeda ou insípida, sonora ou silenciosa, com cheiro ou sem cheiro.

Todas as coisas eram o que pareciam ser pelo único motivo de que não havia qualquer razão para que parecessem e fossem outra coisa. Naquelas antiquíssimas eras não nos passava pela cabeça que a matéria fosse “porosa”. Hoje, porém, embora sabedores de que desde o último dos vírus até ao universo, não somos mais do que organizações de átomos e que no interior deles, além da massa que lhes é própria, ainda sobra espaço para o vácuo (o compacto absoluto não existe, tudo é penetrável), continuamos, tal como o haviam feito os nossos antepassados das cavernas, a apreender, identificar e reconhecer o mundo segundo a aparência com que se nos apresenta. Imagino que o espírito filosófico e o espírito científico, coincidentes na sua origem, deverão ter-se manifestado no dia em que alguém teve a intuição de que essa aparência, ao mesmo tempo que imagem exterior capturável pela consciência e por ela utilizada, podia ser, também, uma ilusão dos sentidos. Se bem que habitualmente mais referida ao mundo moral que ao mundo físico, é conhecida a expressão popular em que aquela intuição veio a plasmar-se: “As aparências iludem.” Ou enganam, que vem a dar no mesmo.

2 comentários:

Érico Cordeiro disse...

Caro Pablo,
Vi um comentário seu no blog da Valéria e tomei a liberdade de fazer-lhe uma visita. Além do gosto pela eterna Lady Day, você pôs como uma de suas músicas favoritas Freddie The Freeloader, que também adoro e que é de um álbum magistral - o Kind Of Blue.
Pena que você seja flamenguista mas ninguém pode ser perfeito. Estás perdoado por esse pequeno defeito (rs, rs, rs). Mas o seu blog é muito bacana e virei sempre por aqui.
Aproveito para convidá-lo para conhecer o JAZZ + BOSSA + BARATOS OUTROS, dedicado à música e hospedado em:

www.ericocordeiro.blogspot.com

Saudações cruzmaltinas!

Valéria Martins disse...

Querido Pablo, ontem eu fui a uma festa de aniversário e estava ótima. Acabei ficando por lá mesmo. Estava bom o Demo?

Eu andava um pouco cansada de lá, mas agora acho que já descansei. Em breve, vamos nos encontrar lá...

Beijos