segunda-feira, 26 de maio de 2008

ROSA EM TEMPOS DE GUERRA



"Tiros, tiraços, tirambaços. Bombas! Bombas e mais bombas. Balbúrdia de Warnungs e Entwarnungs. Gás !? Não, desarranjo de sirenes."


"Hoje, ao sair da casa do Cônsul-Geral, às 10 e meia, vi os holofotes. Céu estrelado. Dois holofotes móveis- cones cruzados. E um terceiro, pendulando um ângulo invariável corria, pra lá e pra cá, batendo meio céu e desrespeitando um meio mundo de constelações.

Os aviões ingleses têm vindo a Berlim todos estes quatro dias (um avião foi alvejado ou colhido pelo holofote justamente a dois milímetros da Constelação de Centauro, entre a Ursa-Menor e o galho mais alto do olmo de defronte a minha casa)."



"Um soldado levou, de ricochete, um estilhaço minúsculo de "Flak" (artilharia antiaérea), na perna - a coisa varou a polaina, e foi alojar-se no osso. Outro homem se escondeu debaixo da cama, no hospital, e levou uma granada de Flak, na coxa."






"Estou escrevendo na cama, ao som dos estampidos da Flak. Alguns são tétricos: como socos retumbantes, dados por punhos enormes no bojo elástico do ar alto. Outros ribombam festivos."


"Alarme, às 9,15 da noite! O tiroteio está brabíssimo! Espiei um pouco. Colunas curvas, de leite: holofotes.E piscam, instantâneas, efêmeras estrelinhas alaranjadas, no alto do céu. Há també, impassíveis, as estrelas de verdade...Estou escutando as mensagens de Churchill - o Tigre do Mundo - radiografada, aos franceses ! Escuto também o roncar dos aviões dos Tommies (designação comum para soldado britânico)"



"Alarme, às 10,10h. Linda pirotecnia! Quantidade de linhas morse, continuadas, ascendentes, coloridas. O tiroteio de ontem foi mesmo bravo; muitos mortos e feridos. As portas e janelas da minha casa bateram, golpearam!"


"Dia frio, mas bonito. Li, de manhã, o discurso do Führer. Tamanha "Hitlerocidade". Bombas, vi a luz branca, terrível, do trabalho do dessoterramento. Medonho."


Fragmentos presentes no diário de Guimarães Rosa escrito entre 1939 e 1941, durante missão diplomática na Alemanha nazista, quando o escritor trabalhou como cônsul-adjunto no consulado brasileiro em Hamburgo.

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