segunda-feira, 14 de julho de 2008

COMPENSAÇÃO ILUSÓRIA

































p.s: quem ainda tiver bom-humor pra dar após ler a postagem, disponibilizei aqui dez imagens de "assassinos" - ou compensadores (?!) do cinema. Dou um doce - não uma bala, óbvio- pra quem acertar os títulos das obras a cujas imagens se referem...

DESEJO DE MATAR
Da idolatria ao Capitão Nascimento à morte do menino João Roberto: a gente já viu esse filme...

Por Arnaldo Bloch, 12 de julho de 2008.

De tudo o que se disse até agora sobre a morte do menino João Roberto, para lá dos especialistas e palpiteiros, as palavras mais sensatas foram, de longe, as do pai da vítima, Paulo Roberto Soares: “O Estado não tem carta branca para matar ninguém. Aqui não tem pena de morte. E se fossem bandidos? Que prendessem os caras!” Tamanhas clareza e consciência do estado de direito são de espantar no quadro atual, ainda mais vindos do pai da vítima, que poderia estar, até justificadamente, tomado por idéias de vingança. Se o pensamento de Paulo Roberto fosse o mesmo que orientasse as ações — e, por que não dizer?, a doutrina — da PM, seu filho ainda estaria vivo. Mas, infelizmente, as idéias de Paulo Roberto estão longe de predominar, e não é só na PM: na sociedade como um todo e, especialmente, no Rio de Janeiro, suas palavras soam absurdas. Na cidade onde ainda imperam as teses de que “bandido bom é bandido morto” e de que “direitos humanos são coisa de amigo de meliante”, onde se aplaude execução de ladrão de galinha atrás de camburão na entrada do Rio Sul, quem é que vai dar ouvidos à sensatez de Paulo Roberto?O pensamento reinante, ao contrário, é de que o Estado tem, sim, direito de executar, e deve fazê-lo, sistematicamente. De que a pena de morte só não existe no papel, porque, na dura realidade, tem mesmo é que metralhar. Dizer, como fez o pai de João Roberto, que, bandido ou inocente, criança ou facínora, “aqui não se mata, aqui se prende” soa como uma afronta à lógica estabelecida. Não à toa, foi rapidamente aceita como definitiva a tese de que a morte de João Roberto foi um fato grave, mas de ordem técnica, cuja origem está na falta de treinamento e de reciclagem dos policiais.Não nos enganemos. Ainda que os PMs precisem de cursos (assim como precisam de melhores salários e condições de trabalho), o problema central está longe de ser esse.
Mais que os PMs, quem está precisando de uma reciclagem é a sociedade civil e suas idéias envelhecidas, autoritárias, covardes, que se refletem, naturalmente, nas instituições. No final, é claro que uma bala vai acabar ricocheteando na cabeça de um de nossos filhos. Difícil é enxergar a que ponto a bala foi disparada por nós mesmos.Ou será que já esquecemos que, menos de um ano atrás, o matador e torturador Capitão Nascimento, de “Tropa de elite”, virou ídolo nacional? Esquecemos que, no último réveillon de Angra, ele foi destaque no desfile de embarcações? Esquecemos que, em nossa cidade, os batalhões, para se motivar, saem às ruas “animados” pela trilha do filme? Esquecemos que estamos no Rio de Janeiro, estado e cidade das chacinas de menores, das milícias, da Assembléia e da Câmara lotadas de figuras da mais baixa estatura moral, criminosos de ficha gorda, corruptos de carteirinha, representantes legais das máfias que arrotam projéteis em nossas ruas à luz do dia (e olha que nem falamos ainda do tráfico...).O que matou o menino João Roberto não foi a falta de treinamento. Foi o culto à morte que, faz tempo, se estabeleceu por aqui. Um culto relacionado, sim, à noção de conflito generalizado, mas que não se restringe a este aspecto circunstancial: transformou-se, já, numa sede, numa fome de matar, desejo permanente de vingança que, facilmente, animado pela cultura de massa, se converte num prazer cinematográfico, uma personificação coletiva dos heróis assassinos, uma compensação ilusória para a impotência do cidadão. A impotência do cidadão, contudo, não é fruto só de sua vitimização pelo poder público, pela bandidagem, pela injustiça, pelo que quer que seja: a impotência é também uma escolha. A escolha de permanecer na ignorância.








A escolha de não assumir a própria responsabilidade na disseminação da doutrina da morte. A escolha (esta, internacional) de não debater temas fundamentais, como a relação direta entre a proibição das drogas e o fortalecimento do tráfico e, conseqüentemente, de seus tentáculos nas estruturas corruptas instaladas nas instituições. A escolha do preconceito. A escolha da humilhação. A escolha de aprovar os presídios superlotados, onde se cultiva mais e mais sede de vingança, numa dinâmica de retroalimentação que, no fim da linha, faz sofrerem não apenas os detentos — mas quem está cá fora, achando que encarcerar gente como se encarcera porco (os porcos são mais bem tratados) vai resultar em alguma paz social. Como se a resposta não viesse em dobro e, talvez, através de uma saraivada de tiros cravada pelas forças da lei no coração de alguém que a gente ama.


Que coragem a do pai de João Roberto ao contrariar esse discurso velho, infame, irracional, que predomina entre nossos pares. Não tivesse ele perdido o filho e dissesse a mesma coisa, já estaria sendo apedrejado. Coragem como a dele, só a de admitir a nossa parte de culpa na morte de João. Se conseguirmos, será um primeiro passo rumo à verdadeira justiça e a uma sociedade melhor.

3 comentários:

Anônimo disse...

Já tinha lido esse artigo no jornal e gostado muito. Concordo plenamente com tudo o que ele diz. E, por falar nisso, você acredita que até hoje eu não tive vontade de ver "Tropa de Elite"? Vou assistir por obrigação, mas sem o menor saco pra essa idolatria a policial torturador...

Pablo Lima disse...

audrey, assistir ao tropa" vale justamente por este mesmo exceder a idolatria aos policiais, que seria banal se assim o fosse.
ainda q seja panfletário, o filme traz a sensação de revolta com desesperança, seja para os beneficiados da estrutura mantida pela policia quanto para os que dela são reféns.

Anônimo disse...

Tá bom, tá bom, vou ver.