Estimulado pelo possível fechamento do principal (licença às extrapolações) cinema do Rio, deparei-me anteontem com as sessões extras do Cine Paissandu. Emendei três obras, e entre elas revi a bela "Noites de Cabíria" e o excelente "Atalante", obra única do desconhecido Jean Vigo, datada de 1931.
Mas vou falar de "O Desprezo", longa de 1963, e como motivo o fato de nada ter dito até então sobre Jean-Luc Godard. Podemos começar a análise com a seguintes propostas: o que significa fazer um filme ? a realização de uma obra cinematográfica seria uma representação da própria vida? ou seria a representação de algo já representado pela própria ficção?
Como pano de fundo a ilha de Capri, e no meio do caminho os deslumbrantes Brigitte Bardot e Jack Palance protagonizam os melhores momentos da trama, cujo centro se dá numa adaptação da "Odisséia”, de Homero, que está sendo dirigida por Fritz Lang, o próprio diretor de "Metrópolis" em carne e osso e interpretando a si mesmo.
Para quem já experimentou Godard, as suas três principais características afloram neste filme: 1) a metalinguagem; 2) os densos e complexos diálogos; 3) as superexposições de imagem.
Os múltiplos detalhes que encerram as diversas situações existentes no filme nos obrigam a deixar de lado os dilemas existenciais levantados pelo casal principal para relembrar de Godard em sua essência. As metáforas e analogias se fazem excessivamente presentes, sejam no discurso bilíngue - uma tradutora traduz as falas em francês para o inglês ao seu modo, o que serve de mote para outras subjetividades - ou nas questões levantadas acerca da obra de Homero, com Ítaca sendo representada pela paradisíaca Capri e com as características do herói moderno recebendo o juízo dos gregos antigos.
A reescritura de "Odisséia" é clara e adaptada aos tempos de hoje, ou melhor, adaptada ao humano de qualquer época, pois os dilemas de outrora são os mesmos na atualidade. A relação entre Penelope e Ulysses é questionada no roteiro. Como sabemos, Ulysses também fora desprezado pela amante; mas desta vez quem vai embora é ela, Bardot, e na cia.do produtor, Palance.
O foco também está no cenário, com as cores branca, amarela e vermelha adquirindo signficados diversos importantes. A construção da dramaticidade é enriquecida através do cenário; como exemplo, a negra peruca usada pela personagem de Bardot encarna uma outra identidade.
As imagens se multiplicam em intrincadas situações, com uso excessivo das possibilidades que o uso da câmera traria para a época. Godard passeia com imagens e planos num discurso em favor do prazer estético e do ensinamento moral. E tudo isto servindo como um libelo contra a fragilidade do homem em sua odisséia pela vida, pela filosofia e pelo existencialismo.
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