terça-feira, 10 de julho de 2007

JOÃO CABRAL NA ESPANHA

"A cana doce de Málaga
dá domada, em cão ou gata:
deixam-na perto, sem medo,
quase vai dentro das casas.
É cana que nunca morde
nem quando se vê atacada:
não leva pulgas no pêlo
nem entre as folhas, navalha

A cana doce de Málaga
dá dócil, disciplinada
dá em fundos de quintal
e podia dar em jarras
Falta-lhe é a força da nossa,
criada solta em ruas, praças:
solta, à vontade do corpo
nas praças das grandes várzeas"


No sol de mar do céu de Cádiz
mediterrâneo e classicista,
que dá as coisas mais terrosas
carne de estátua ou peixe, vítrea

Ela seguia carne
do campo de Sevilha:
carne de terra adentro
urbanizada em mansas filas




Eu vi Manolo González
e Pepe Luis, de Sevilha:
precisão doce de flor,
graciosa, porém precisa.
Vi também Júlio Aparício,
de Madri, como Parrita:
ciência fácil de flor,
espontânea, porém estrita.
E também Antônio Ordoñez,
que cultiva flor antiga:
perfume de renda velha,
de flor em livro dormida.



Mas eu vi Manuel Rodriguez,
Manolete, o mais deserto,
o toureiro mais agudo,
mais mineral e desperto,
o de nervos de madeira,
de punhos secos de fibra,
o de figura de lenha,
lenha seca da caatinga,
o que melhor calculava
o fluido aceiro da vida,
o que com mais precisão
roçava a morte em sua fímbria,
o que a tragédia deu número,
à vertigem, geometria,
decimais à emoção
e ao susto, peso e medida.

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