Carlos Drummond de Andrade
João era fabulista,
fabuloso,
fabuloso,
fábula?
Sertão místico disparando
no exílio da linguagem comum ?
Projetava na gravatinha
a quinta face das coisas
inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
para disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender?
Tinha pastos, buritis plantados
no apartamento?
no peito?
Vegetal ele era ou passarinho
sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?
Era um teatro
e todos os artistas no mesmo papel,
ciranda multívoca?
João era tudo?
tudo escondido, florindo como flor é flor,
mesmo não semeada?
Mapa com acidentes
deslizando para fora, falando?
Guardava rios no bolso,
cada qual com a cor de suas águas?
sem misturar, sem conflitar?
E de cada gota redigia
nome,curva, fim,
e no destinado geral
seu fado era saber
para contar sem desnudar
o que não deve ser desnudado
Mágico sem apetrechos,
civilmente mágico,
apelador de precípites prodígios
acudindo a chamado geral?
Embaixador do reino que há por trás dos reinos,
dos poderes,
das supostas fórmulas de abracadabra, sésamo?
Reino cercado não de muros,
chaves, códigos,
mas o reino-reino?
Por que João sorria se lhe perguntavam
que mistério é esse?
E propondo desenhos
figuravamenos a resposta
que outra questão ao perguntante?
Tinha parte com... (não sei o nome)
ou ele mesmo era
a parte de genteservindo de ponte
entre o sub e o sobreque se arcabuzeiam
de antes do princípio,
que se entrelaçam para melhor guerra,
para maior festa?
Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu de se pegar.
(publicado originalmente no Correio da Manhã, em 22/11/1967, três dias após a morte de Guimarães Rosa)
2 comentários:
Dois gigantes da Literatura (mundial). Lindo!
ponhamos mundial - entre parênteses - nisto! ambos reinventaram a língua portuguesa, das mais prolixas do universo!
precisamos falar algo mais?
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