quinta-feira, 12 de março de 2009

no princípio era o texto 5 - LITERATURA BRASILEIRA





51. Brás Cubas, Machado de Assis, 1880:
Algum tempo hesitei se deveria abrir estas memórias pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço.



52. Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Hollanda, 1936:

A tentativa de implantação da cultura européia em extenso território, dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em consequências.



53. A caçada, Lígia Fagundes Telles, 1979:
A loja de antiguidades tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus anos embolorados e livros comidos de traça. Com as pontas dos dedos, o homem tocou numa pilha de quadros. Uma mariposa levantou vôo e foi chocar-se contra uma imagem de mãos decepadas.— Bonita imagem — disse ele.
A velha tirou um grampo do coque, e limpou a unha do polegar. Tornou a enfiar o grampo no cabelo.
— É um São Francisco.


54. Nove Noites, Bernardo Carvalho, 2002:

Isto é para quando você vier. É preciso estar preparado. Alguém terá que prevení-lo.Vai entrar numa terra em que a verdade e a mentira não têm mais os sentidos que o trouxeram até aqui.
Pergunte aos índios. Qualquer coisa. O que primeiro lhe passar pela cabeça. E amanhã, ao acordar, faça de novo a mesma pergunta. E depois d amanhã, mais uma vez. Sempre a mesma pergunta. E a cada dia receberá uma resposta diferente. A verdade está perdida entre todas as contradições e os disparates. Quando vier à procura do que o passado enterrou, é preciso saber que estará às portas de uma terra em que a memória não pode ser exumada, pois o segredo, sendo o único bem que se leva para o túmulo, é também a única herança que se deixa aos que ficam, como você e eu, à espera de um sentido, nem que seja pela suposição de um mistério, para acabar morrendo de curiosidade.

55. Atenção Ao Sábado, Clarice Lispector:
Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém despeja um balde de água no terraço; sábado ao vento é a rosa da semana; sábado de manhã, a abelha no quintal, e o vento: uma picada, o rosto inchado, sangue e mel, aguilhão em mim perdido: outras abelhas farejarão e no outro sábado de manhã vou ver se o quintal vai estar cheio de abelhas.


56. O Povo Brasileiro, Darcy Ribeiro, 1995:
A costa atlântica, ao longo dos milênios, foi percorrida e ocupada por inumeráveis povos indígenas. Disputando os melhores nichos ecológicos, eles se alojavam, desalojavam e realojavam, incessantemente. Nos últimos séculos, porém, índios de fala tupi, bons guerreiros, se instalaram, dominadores, na imensidade da área, tanto à beira-mar, ao longo de toda a costa atlântica e pelo Amazonas acima, como subindo pelos rios principais, como o Paraguai, o Guaporé, o Tapajós, até suas nascentes.

57. Lucíola, José de Alencar, 1872:
A senhora estranhou, na última vez em que estivemos juntos, a minha excessiva indulgência pelas criaturas infelizes, que escandalizam a sociedade com a ostentação do seu luxo e suas extravagâncias.



58. Estrela Solitária: Um Brasileiro Chamado Garrincha, Ruy Castro,1995:
Não foi preciso nem laçá-los - e olha que estávamos por volta de 1865. Bastou um pouco de mímica prometendo pinga, facas, espelhos.O pequeno grupo de índios saiu de seu esconderijo nas matas da Serra da Barriga, em Alagoas, aproximou-se dos brancos que lhes acenavam.Trezentos anos de história do Brasil já lhes tinham ensinado que os brancos eram velhacos, mentirosos e mais traiçoeiros que as cobras.

59. O Abolicionismo, Joaquim Nabuco:
Não há muito que se fala no Brasil em abolicionismo e partido abolicionista. A idéia de suprimir a escravidão, libertando os escravos existentes, sucedeu à idéia de suprimir a escravidão, entregando-lhe o milhão e meio de homens de que ela se achava de posse em 1871 e deixando-a acabar com eles. Foi na legislatura de 1879-80 que, pela primeira vez, se viu dentro e fora do Parlamento um grupo de homens fazer da emancipação dos escravos , não da limitação do cativeiro às gerações atuais, a sua bandeira política, a condição preliminar da sua adesão a qualquer dos partidos.


60. SAGARANA, João Guimarães Rosa,1946:
Era um burrinho pedrês, miúdo e resignado, vindo de Passa-Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e já fôra tão bom, como outro não existiu e nem pode haver igual.
Agora, porém, estava idoso, muito idoso. Tanto, que nem seria preciso abaixar-lhe a maxila teimosa, para exiar os cantos dos dentes. Era decrépito mesmo a distância: no algodão bruto do pêlo - sementinhas escuras em rama rala e encardida, nos olhos remelentos, cor de bismuto, com pálpebras rosadas, quase sempre oclusas, em constante semi-sono; e na linha - fatigada e respeitável - uma horizontal perfeita, do começo da testa à raiz da cauda em pêndulo amplo, para cá, para lá, tangendo as moscas.










3 comentários:

Adriana Calábria disse...

Olá!!!
Estou apenas registrando minha passagem.
Adoro passar por aqui!
Bjsss

Adriana Calábria disse...

Pablo
"1- o tempo ensina, cria novas verdades e coloca muitas coisas em foco."

Adorei isso, e concordo plenamente!

Bjsss

Agnes R. disse...

Cadê o texto de Sagarana?
Não está aparecendo...