terça-feira, 7 de abril de 2009

I. A CAVERNA

José Saramago, 2001.



"Autoritárias, paralisadoras, circulares, às vezes elípticas, as frases de efeito, também jocosamente denominadas pedacinhos de ouro, são uma praga maligna, das piores que têm assolado o mundo. Dizemos aos confusos, Conhece-te a ti mesmo, como se conhecer-se a si mesmo não fosse a quinta e mais dificultosa operação das aritméticas humanas, dizemos aos abúlicos, Querer é poder, como se as realidades bestiais do mundo não se divertissem a inverter todos os dias a posição relativa dos verbos, dizemos aos indecisos, Começar pelo princípio, como se esse princípio fosse a ponta sempre visível de um fio mal-enrolado que bastasse puxar e ir puxando até chegarmos à outra ponta, a do fim, e como se, entre a primeira e a segunda, tivéssemos tido nas mãos uma linha lisa e contínua em que não havia sido preciso desfazer nós nem desenredar estrangulamentos, coisa impossível de acontecer na vida dos novelos e, se uma outra frase de efeito é permitida, nos novelos da vida."

Ao comprar o livro, cujo motivo se deu como forma de presentear o meu pai em uma das últimas datas festivas dessas que por aí existem, lembrei-me da primeira vez que tive acesso à leitura de "A Alegoria da Caverna", de Platão,  e acho apropriado lembrar de o quanto me impressionei com a "Teoria das Ideias", também formulada pelo filósofo.

Ainda que, à primeira vista, a mensagem a ser transmitida pela "alegoria" seja simples e de fácil entendimento, Platão matou muitas charadas ao apontar a relação entre o homem e o seu mundo como um teatro de sombras, focado no supérfluo em detrimento da realidade ou simplesmente provando como as algemas da vida prendem e amarram os humanos em suas noções de verdade.

Tal como o filósofo grego, José Saramago criou dois mundos em seu livro; um é uma pequena olaria, e outro, um centro comercial; um está em vias de extinção e outro esta em um rápido processo de crescimento. Uma família que vive na olaria sente que não é mais necessária para o mundo ao se deparar com o desenvolvimento do centro comercial e mesmo assim tenta se reerguer, tanto dentro quanto fora da “caverna”. Diante deste cenário, Saramago detona o capitalismo ao mostrar uma sociedade em que os indivíduos tornaram-se profissões, registros, objetos e/ou números e os sentimentos, afetos e as relações humanas foram relegados a segundo plano.

Com a sua ficção presa a muitas metáforas e alegorias, o escritor português aproveita a obra para mostrar com rara habilidade como se faz para subverter a história e criar utopias. A anulação e a consequente troca do trabalho manual pela tecnologia também é muito bem representada no livro – com boas referências a Pierre Bordieu e a sua "sociedade do espetáculo"- e, com isso, Saramago deixa clara a lição de o quão importante é o mito para quem acredita nas sombras.


4 comentários:

Anônimo disse...

Excelente a analogia com o Mito da Caverna e maravilhosa a escolha do Saramago para o 1º lugar da lista! É um dos maiores escritores da atualidade, merecidamente reconhecido. Não à toa, aguardo ansiosamente a estréia do novo filme do Fernando Meireles por aqui, caso raro que obteve o entusiasmo e a aprovação do autor do livro adaptado (a gente falava em posts mais antigos que os autores quase sempre detestam as adaptações que são feitas de suas obras para o cinema, TV ou teatro, lembra?)

Pablo Lima disse...

isso, hepburn; o cinema às voltas com os livros, mais do que saudável a relação(pelo menos para nós que ainda nada publicamos).

ainda tenho dúvidas acerca da "boa relação" entre saramago & meirelles no tocante à adaptação da obra.
prefiro aguardar a futuras considerações do escritor sobre a respectiva adaptação (:

beijos todos.

Isabel Victor disse...

Sim, Platão e a alegoria da caverna __________________ acima de tudo. Gostei


Abraço

iv

Anônimo disse...

Por que nao:)