terça-feira, 7 de abril de 2009

III. REPARAÇÃO

Ian McEwan, 2002.


"Suas tentativas eram incentivadas. Aliás, eram muito bem recebidas, pois os Tallis começavam a se dar conta de que a caçula da família tinha uma inteligência incomum e certa facilidade com as palavras. As longas tardes gastas folheando dicionários resultavam em construções absurdas; porém de certo modo fascinantes: as moedas que o vilão levava no bolso eram "esotéricas"; um marginal preso em flagrante roubando um carro chorava com "desavergonhada auto-escusa"; a heroína, montada em seu garanhão puro-sangue, cavalgava "célebre" pela noite; a testa franzida do rei era um "hieróglifo de reprovação."



No melhor estilo "Viver inclui o que poderia ter sido", tal frase resume bem o que a obra supõe em sua totalidade; um mundo de possibilidades, de escolhas, arrependimentos e, por que não, de contradições. Confesso que olhei o livro com restrição ao destrinchar as suas primeiras páginas, mas aos poucos fui adentrando o universo intimista e conflituoso da personagem principal (Bryoni). E Ewan McEwan, brilhante escritor britânico, também triunfa por ir além do ponto de vista da protagonista ao dar ênfase a todos os participantes do romance. Brilhante e refinadíssima psicologia tratada nas relações familiares e sociais do enredo, usando de um recurso dos que mais aprecio no mundo das artes: a metalinguagem.

McEwan trata das impossiblidades da vida como alguém que domina esta realidade, e dita as ordens de sua narrativa, levando o leitor aonde quer, fazendo de sua obra um mapa com setas que indicam a direção exata, ainda que lembre ao mais desavisado que os personagens não podem(ou sabem) fazer o mesmo.

2 comentários:

Valéria Martins disse...

Pablo, eu li esse livro agora em fevereiro, durante minha viagem de férias. É muito bacana; prefiro "A praia", que é o mais recente. Mais fino e igualmente McEwan. Mas agora vou dar um tempo desse autor. Ele escreve bem, mas é triiissitteee. Nada nunca acaba bem. "Eu só quero saber do quem pode dar certo... Não tenho tempo a perder..." Pelo menos por enquanto. Bjs

Pablo Lima disse...

CARA valéria, não li "A praia", infelizmente. e tão boa quanto a obra é a construção que citaste por aqui; não há mesmo espaço para coisas/pessoas que não nos despertam possibilidades no presente...
obrigado.