quinta-feira, 9 de outubro de 2008

OUTRAS PALAVRAS



Como será daqui pra frente?
por Elida Kronig





Cai o trema!
Aliás, não cai... Dá uma tombadinha.
Linguiça e pinguim ficam feios sem ele, mas quantas pessoas conhecemos que utilizavam o trema a que eles tinham direito?

Essa espécie de "enfeiação" já vinha sendo adotada por 98% da população brasileira. Resumindo, continua tudo como está.

Alfabeto com 26 letras? O K e o W são moleza para qualquer internauta, que convive diariamente com Kb e Web-qualquer coisa. A terceira nova letra de nosso alfabeto tornou-se comum com os animes japoneses, que tem a maioria de seus personagens e termos começando com y. Esta regra tiraremos de letra.

O hífen é outro que tomba mas não cai. Aquele tracinho no meio das vogais, provocando um divórcio entre elas, vai embora. As vogais agora convivem harmoniosamente na mesma palavra.
Auto-escola cansou da briga e passou a ser autoescola, auto-ajuda adotou autoajuda.
Agora, pasmem!O que era impossível tornou-se realidade. Contra-indicação, semi-árido e infra-estrutura viraram amantes, mais inseparáveis que nunca. Só assinam contraindicação, semiárido e infraestrutura.Quem será o estraga-prazer a querer afastá-los?

Epa! E estraga-prazer, como fica?Deixa eu fazer umas pesquisas básicas pela Internet.Huuummm... Achei!
Essas duas palavrinhas vivem ocupadíssimas, cada uma com suas próprias obrigações. Explicam que a sociedade entre elas não passa de uma simples parceria. Nem quiseram se prolongar no assunto. Para deixar isso bem claro, vão manter o traço.
Na contra-mão, chega um paraquedista trazendo um paralama, um parachoque e um parabrisa - todos sem tracinho.


Com alguns pontapés coloquei todos no porta-malas pra vender no ferro-velho. O paraquedista com cara de pão de mel ficou nervoso. Só acalmou quando o banhei com água-de-colônia numa banheira de hidromassagem.
Então os nomes compostos não usam mais hífen? Não é bem assim.
Os passarinhos continuam com seus nomes: bem-te-vi, beija-flor. As flores também permanecem como estão: bem-me-quer, amor-perfeito.


Por se achar a tal, a couve-flor recusou-se a retirar o tracinho e a delicada erva-doce nem está sabendo do que acontece no mundo da Língua Portuguesa e vai continuar adotando o tracinho. As cores apelaram com um papo estranho sobre estarem sofrendo discriminações sexuais e conseguiram na justiça o direito de gozarem com o tracinho. Ficou tudo rosa-choque, vermelho-acobreado, lilás-médio... Porém, fique atento: cor de vinho, cor de burro quando foge.

As donas de casa quando souberam da vitória da comunidade GLS, criaram redes de novenas funcionando por 24h, para que a feira não se unisse sem cerimônia aos dias da semana. Foram atendidas pelo próprio arcanjo Gabriel que fez uma aparição numa das reuniões, dando ordens ao estilo Tropa de Elite:- Deixe o traço! Deu certo. As irmãs segunda-feira, terça-feira e as demais, mantiveram o hífen.
Os médicos e militares fizeram um lobby, gastaram uma nota preta pra manter o tracinho. Alegaram que sairia mais caro mudar os receituários e refazer as fardas:médico-cirurgião, tenente-coronel, capitão-do-mar.
O R no início das palavras vira RR na boca do carioca. Não pronunciamos R (como em papiro, aresta e arara), pronunciamos RR (como em ferro, arraso e arremate). Falamos rroldana e não roldana, rrodopio e não rodopio, rrebola e não rebola.
Pois bem, numa das tombada do hífen, o R dobra e deixa algumas palavras com jeito carioca de ser: autorretrato, antirreligioso, suprarrenal. Será fácil lembrar desta regra. Se a palavra antes do tracinho (nem vou falar em prefixo) terminar com vogal e a palavra seguinte começar com R é só lembrar dos simpáticos e adoráveis cariocas.
Mais uma coisinha: a regra também vale para o S. Fico até sem graça de comentar isso, pois todos sabemos que o S é um invejoso que gosta de imitar o R em tudo. Ante-sala vira antessala, extra-seco vira extrasseco e por aí vai...

Quem segurou mesmo o hífen, sem deixá-lo cair, foram os sufixos terminados em R, que acompanham outra palavra iniciada com R, como em inter-regional e hiper-realista. Estes tracinhos continuarão a infernizar os cariocas.
O pré-natal esteve tão feliz, rindo o tempo todo com o pós-parto de uma camela pré-histórica que ninguém teve coragem de tocar no tracinho deles.
Já o pró - um chato por natureza, foi completamente ignorado. Só assim manteve o tracinho: pró-labore, pró-desmatamento.

A vogal e o h não chegaram a nenhum acordo, mesmo com anos de terapia. Permanecem de cara virada um pro outro: anti-higiênico, anti-herói, anti-horário. Estou começando a achar que as vogais são semi-hostis com as consoantes...


Ao contrário das demais, as vogais gêmeas decidiram complicar e andar na contra-mão da simplificação. Daqui pra frente passarão a adotar hífen: arqui-inimigas, anti-inflacionária, micro-ondas, anti-ibérico, anti-inflamatório, micro-organismo. Sumiram todos os tracinhos, notaram?Quando não forem gêmeas, poderão sentar-se à mesma mesa: extraescolar, autoaprendizado, antiaéreo...

Uma inovação interessante: - Podem esquecer o mixto, ele foi sumariamente despedido. Puseram o misto no lugar dele.

Fiquei bolada com essa exceção: o prefixo co não usa mais hífen. Seguiu os exemplos de cooperação e coordenado, que sempre estiveram juntas. Não estou me lembrando no momento, de nenhuma palavra que use co com tracinho. Será que sempre escrevi errado?
Quem diria que o créu suplantaria a ideia!? Teremos que nos acostumar com as ideias heroicas sem o acento agudo. Rasparam também o acento da pobre coitada da jiboia.

O acento do créu continua porque tem o U logo depois. Pelo menos a assembleia perdeu alguma coisa...
Vejo ao longe aproximar-se um bem-vindo amigo. Ele não é um bem-nascido mas foi bem-criado e tem bom-humor. Não vejo a hora de dar-lhe um abraço sem-cerimônia, mesmo que os passantes me considerem uma sem-vergonha.



5 comentários:

Agnes R. disse...

Olha, francamente, podiam mudar tudo, menos o trema!! Acho uma sacanagem acabar com um acento que, além de embelezar a língua, tem lá a sua função na pronúncia das palavras.

Estou órfã!

Pablo Lima disse...

É, a morte do trema doeu demais!
mas em compensação tivemos o triunfo do "misto" sobre o "mixto"! essa valeu!!!!!

se lembra que conversamos sobre o "mixto-quente" há alguns dias no churrasco?

Fernanda Magalhães disse...

Pablo querido! Pegue seu selo la por favor!!

Bjos no coração.


Texto perfeito!

Afrodite disse...

Adorei a sua explicação!Confesso que sou uma apaixonada pela nossa língua e tomo todo cuidado para não ferí-la!Vcê deu um show ao postar falando sobre as mudanças do nosso idioma!Eu quando li a matéria sobre isso na Época(há algumas semanas atrás) fiquei triste em ver tanta mudança para pior.Adianta reclamar?Não!Ainda mais com um presidente tão tacanho em concordância verbal como o nosso!
(Foi ele quem assinou esse tratado imbecil!)
Um beijo
Afrodite

Anônimo disse...

Pablo,

O texto é perfeito.

Confesso que não gostei das mudanças (rs).

Tenha um bom dia,

beijo,

Dani.