domingo, 19 de outubro de 2008

pretensão de aspereza


O cacto
Manuel Bandeira
Aquele cacto lembrava os gestos desesperados da estatuária:Laocoonte constrangido pelas serpentes,Ugolino e os filhos esfaimados.Evocava também o seco nordeste, carnaubais, caatingas...Era enorme, mesmo para esta terra de feracidades excepcionais.
Um dia um tufão furibundo abateu-o pela raiz.O cacto tombou atravessado na rua,Quebrou os beirais do casario fronteiro,Impediu o trânsito de bonde, automóveis, carroças,Arrebentou os cabos elétricos e durante vinte e quatro horas [privou a cidade de iluminação e energia:
- Era belo, áspero, intratável.

Outro cacto
Eduardo Sterzi
Abstrai, se alcanças, o cacto de Bandeira,imponente em sua queda de colosso.Abstrai toda paisageme, sobretudo,toda contaminaçãohumana.Pondera o cactopequeno,sem flor mas também sem deserto:cacto de vaso,de apartamento:cacto sem metáfora.Em sua matriz esquálida,mas por isso ideal,molda, a partir de agora,teu viver - Tu, forma vaga, pretensão de aspereza.

3 comentários:

Valéria Martins disse...

Isso me lembra um filme chamado "Flor de Cacto", sobre uma história de amor entre um casal maduro. A flor de cacto demora muito a nascer, é rara, dá uma vez ou outra. Por isso o título do filme. Beijocas, tô de volta.

Adriana Calábria disse...

Esse post nos leva a questionar sobre o que queremos ser: O cacto de Bandeira, ou um mero cacto de apartamento.
Gostei disso...

Pablo Lima disse...

valéria e adriana, estou cada vez mais convencido de que as contribuições que vocês aqui deixam tornam-se cada vez mais indispensáveis !
quanta riqueza nos comentários!
beijos todos!