sexta-feira, 11 de abril de 2008

VESTÍGIOS DE ESTRANHA CIVILIZAÇÃO

Mais uma excepcional da nossa correspondente Agnes Rissardo; agora, mais "nacional" do que nunca, ela nos presenteia com uma sutil análise por parte do poetinha Vinícius sobre a cidade maior de todos.


"Um carioca é um carioca. Ele não pode ser nem um pernambucano, nem um mineiro, nem um paulista, nem um baiano, nem um amazonense, nem um gaúcho. Enquanto que, inversamente, qualquer uma dessas cidadanias, sem diminuição de capacidade, pode transformar-se também em carioca; pois a verdade é que ser carioca é antes de mais nada um estado de espírito. Eu tenho visto muito homem do Norte, Centro e Sul do país acordar de repente carioca, porque se deixou envolver pelo clima da cidade e quando foi ver... kaput! Aí não há mais nada a fazer.

Quando o sujeito dá por si está torcendo pelo Botafogo, está batendo samba em mesa de bar, está se arriscando no lotação a um deslocamento de retina em cima de Nelson Rodrigues, Antônio Maria, Rubem Braga ou Stanislaw Ponte Preta, está trabalhando em TV, está sintonizando para Elizete.

Pois ser carioca, mais que ter nascido no Rio, é ter aderido à cidade e só se sentir completamente em casa em meio à sua adorável desorganização. Ser carioca é não gostar de levantar cedo, mesmo tendo obrigatoriamente de fazê-lo; é amar a noite acima de todas as coisas, porque a noite induz ao bate-papo ágil e descontínuo; é trabalhar com um ar de ócio, com um olho no ofício e outro no telefone, de onde sempre pode surgir um programa; é ter como único programa o não tê-lo; é estar mais feliz de caixa baixa do que alta; é dar mais importância ao amor que ao dinheiro. Ser carioca é ser Di Cavalcanti.
Que outra criatura no mundo acorda para a labuta diária como um carioca? Até que a mãe, a irmã, a empregada ou o amigo o tirem do seu plúmbeo letargo, três edifícios são erguidos em São Paulo. Depois ele senta-se na cama e coça-se por um quarto de hora, a considerar com o maior nojo a perspectiva de mais um dia de trabalho; feito o quê, escova furiosamente os dentes e toma a sua divina chuveirada."






Por Vinícius de Moraes em "Rio Literário: um guia apaixonado da cidade do Rio de Janeiro."

Um comentário:

Anônimo disse...

Aêeeeeee, finalmente!!! Só gostaria de deixar claro uma coisa: a caracterização do Vinícius é deliciosa, mas é claro que (nós, cariocas, sabemos disso muito bem), trabalha-se MUITO no Rio de Janeiro também. Amém.